quinta-feira, 29 de novembro de 2007

MEU AVÔ LEVI HALL DE MOURA


Durante a minha infância, em Belém do Pará, tive contato com meus avós de forma não tão constante como deveria mas o suficiente para assimilar muito do que sou, com a observação de impressões, contrastes e costumes do povo da minha terra. Sem dúvida alguma, o que marcou de forma indelével em minha memória foi o pai de minha mãe Germana, o vovô Levi, talvez por suas idéias e pensamentos e o jeito polêmico de ser. Depois, já crescido, tive oportunidade de conhecer um pouco do seu trabalho e modo de pensar e ter a exata noção das injustiças pela qual passou, sempre por defender um ideal e por estar do lado, e ao lado, dos oprimidos e carentes de oportunidades. Os que estavam à margem do processo, os excluídos. Um fato banal, sem muita significância, mas de uma carga simbólica muito pertinente, acompanha-me pelo resto de minha vida. Jamais esqueço quando, ao telefone, ligávamos para sua residência e quando vovô Levi, atendia, nós dizíamos, propositadamente, que queríamos falar com a vovó Amélia e se ele poderia "chamar ela", no que, mais que rapidamente, vinha a correção: "chamá-la, seu menino!" Por ocasião de sua morte, em 1984, eu, um jovem estudante de Direito da Universidade Federal do Pará – UFPa, impregnado de idéias marxistas, que eram reccorrentes nos bancos acadêmicos, o tinha como uma referência, sobretudo por suas façanhas, diante dos poderosos, relatadas pelos meus tios Maurílio, Arnaldo e Júlio. Lembro, como se fosse hoje, eu ao volante de um Ford, marca Belina, ao lado de minha mãe, atendendo ao telefonema de meu outro tio, o Marcos, informando do grave estado de saúde de meu avô. Uma parada cárdio-respiratória nos fez ir ao socorro daquele que, horas depois, daria o seu último suspiro na terra e deixaria o solo paraense um pouco mais triste de idéias. E embora ele não tivesse Bandeira no sobrenome, ele tinha uma bandeira a tremular no coração velho e debilitado e eu como homenagem faço uma paródia de um verso de Carlos Drummond de Andrade para o saudoso Manuel Bandeira, por ocasião de sua morte, e também digo: “Ontem, hoje, amanhã, a vida inteira; teu nome é para nós Levi: Bandeira!”.

Abaixo publico em meu blog uma reportagem publicada no jornal de maior circulação do Estado do Pará e que traça um perfil do humanista que foi Levihall, numa homenagem pelo transcurso do centenário de seu nascimento.

Luis Guilherme Moura Gaya


Jornal O Liberal, de 1º de outubro de 2007

ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS (APL) CELEBRA HOJE O CENTENÁRIO DE LEVI HALL DE MOURA, COM DESAGRAVO

Juiz, literato e marxista, paraense foi cassado, aposentado e impedido de ensinar

Levi Hall de Moura gostava de aprofundar os temas, até mesmo nas conversas informais. Escritor, jornalista, filósofo e magistrado, foi um dos mais ilustres intelectuais paraenses do século passado e referência não só para os 14 filhos, mas para qualquer estudante dedicado que batesse à sua porta. Antes de morrer, em 1984, foi aposentado compulsoriamente e impedido de lecionar pela ditadura militar, vivendo anos no ostracismo. Hoje, dia em que completaria cem anos, Levi será homenageado na XI Semana Cultural, organizada pela Academia Paraense de Letras (APL). O evento segue até sexta-feira, com palestras sobre diversos temas voltados às literaturas paraense e universal.
Membro da Academia Paraense de Letras (APL), a maior produção literária de Levi ficou nos jornais Folha do Norte e Folha Vespertina. Escreveu poesias, romances e até peças de teatro. 'Tinha um estilo literário reflexivo', diz o filho, o advogado Maurílio Moura. 'Os críticos da época diziam que existia um ‘múltiplo Levi’'. No romance 'Terreno e Infante', publicado em 1970, tratou da fragilidade do homem diante da vida e não escondeu, segundo Acyr Castro, seu comprometimento político-partidário nas páginas da obra. Levi era comunista convicto.
Mais tarde, em 1986, a publicação póstuma 'Oceano Perdido' revela um homem engajado politicamente de acordo com os princípios marxistas, o que explica a perseguição que lhe foi imposta pelos militares. No entanto, de acordo com os filhos e membros da APL, foi uma crítica literária publicada na Folha do Norte o motivo da perseguição. Na coluna 'Caminhos dos livros', escreveu sobre o livro 'Terra Encharcada', lançamento de Jarbas Passarinho na época. A partir de então, além de aposentado compulsoriamente dois anos antes, foi proibido de escrever para jornais e lecionar em universidades.
'Nosso pai foi humilhado, perseguido e impedido de exercer suas profissões', diz Júlio Moura, filho de Levi, também advogado. Em sociedade, Hall de Moura denunciava as desigualdades. Em casa, tratava os filhos como alunos. 'Ele nos orientava, lia história, indicava livros e ensinava português', conta Júlio. De acordo com os filhos, cada pergunta rendia uma aula profunda sobre qualquer assunto. 'Tinha uma aura de professor. Mas era horrível quando ele resolvia dar aulas de análise sintática, demorava horas', lembra Maurílio.
APAIXONADO
Aos 13 anos, Levi Hall já escrevia para o Estadinho, suplemento do jornal o Estado do Pará. 'Naquela época, nosso pai não tinha idade para entrar em bibliotecas. Então, pedia aos diretores para entrar. Era um apaixonado por livros', diz Maurílio. Hall de Moura estudou no Ginásio Paes de Carvalho e cursou direito na Faculdade de Direito do Largo da Trindade, na década de 1930. Desde então, dedicou-se exclusivamente aos livros. 'Era um especialista em diversos assuntos. Como escreveu Vicente Salles, em 'O Negro no Pará': ‘dedico este livro a Levi, mestre neste assunto’', conta o filho.
Hall de Moura era simples. Atendia a todos em casa e, segundo os filhos, adorava uma prosa logo cedo. 'Passava manhãs inteiras conversando e discutindo. Sua paixão era falar dos livros', conta Maurílio. 'Os amigos e estudantes apareciam e pediam: ‘doutor Levi, gostaria que o senhor me falasse sobre o marxismo’, ou qualquer outro assunto'. Apesar da boa vontade com todos, Levi foi preso e teve a casa invadida mais de uma vez. Livros foram destruídos, teve o salário de juiz cortado e passou privações com a família.
Exemplo das arbitrariedades cometidas pela ditadura, Levi Hall de Moura fora marginalizado a partir da própria competência como homem de leis e exímio conhecedor literário. 'Um homem que sabe muito, torna-se perigoso aos aproveitadores, corruptos e reacionários', escreveu Maurílio, sobre o pai. Depois das homenagens na XI Semana Cultural, a Academia Paraense de Letras (APL) criará o Prêmio Cultural Levi Hall de Moura, para todos os gêneros artísticos julgados pela academia. Durante a semana de eventos, os acadêmicos discutirão também temas como 'A Literatura de Cordel no Brasil e no Pará', 'A importância da Leitura' e 'A dimensão política da arte'. Também participam da semana os acadêmicos Denis Cavalcante, Antônio José Mattos, Roberto de Carvalho, e os poetas Antônio Juraci Siqueira e Apolo Monteiro.

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