quarta-feira, 17 de outubro de 2007

GLOBO REPÓRTER


Um dos programas jornalísticos que teve os maiores picos de audiência na Rede Globo de Televisão ao longo de sua história, foi o “Globo Repórter” que fez a sua estréia, na grade de programação da emissora, em abril de 1973, apresentado por Sérgio Chapelin. Nascia ali uma das principais escolas de formação profissional e realização de documentários no Brasil e um dos programas jornalísticos mais antigos, até hoje no ar. Desde então, tornou-se uma das atrações mais assistidas na televisão brasileira, com cerca de 30 milhões de telespectadores toda semana. Foi idealizado e criado para preencher uma lacuna no jornalismo televisivo brasileiro, no que diz respeito ao aprofundamento de assuntos polêmicos ou de interesse geral que pudesse despertar no telespectador uma visão mais crítica da realidade brasileira.
No início, era apresentada mais de uma matéria por semana, porém, nos dias atuais, há um aprofundamento com enfoque em um único tema. O “Globo Repórter” conta com uma equipe própria de repórteres, que gravam as matérias com aproximadamente três semanas de antecedência. Indo ao ar nas sextas-feiras às 21:45h, com duração de 45 minutos e dividido em cinco blocos.
Vários apresentadores já passaram pelo programa, ao longo de pouco mais de 24 anos em que está no ar. O “Globo Repórter” tinha como objetivo proporcionar qualidade para o público receptor o que era claramente perceptível, pelos índices de audiência, premiações internacionais e até um certo número de boas críticas.
Costuma-se afirmar no meio jornalístico que os programas de documentários para televisão não passam de filmes que insistem em mostrar a "realidade" indo além da ficção, sempre apelando para o aspecto sensacionalista.
Os grandes temas que encontram no documentário o seu mais importante meio e linguagem faziam parte da pauta do “Globo Repórter”. A busca por um jornalismo mais investigativo, ousado, dinâmico, que se aprofundasse em temas políticos e sociais em tempos que, como hoje, limitavam as idéias e as transformações sempre emergentes.
Outra máxima em televisão, numa alusão à Lei de Lavousier, afirma que “no meio, nada se inova, nada se cria; tudo se copia”, e o “Globo Repórter” não fugiu a essa regra. O modelo original, que inspirou a criação do programa, foi o Sixty Minutes, da CBS – programa que ainda hoje lidera a audiência na televisão norte-americana. Mas a idéia original se transformou muito: o mais importante era a ousadia da proposta de combinar a sofisticação da linguagem e da tecnologia cinematográfica com o poder massivo da televisão aberta na realização de filmes sobre a nossa realidade. Era um projeto ambicioso que deu certo.
Em sua primeira década no ar, os profissionais do “Globo Repórter”, apesar dos tempos difíceis de ditadura militar no país, criaram alguns dos melhores documentários já produzidos na televisão brasileira, tendo como proposta, um programa ousado e que, apesar do nome, não tinha nem repórter nem estilo ou formato definidos. Como dizia o seu criador, Paulo Gil Soares, "era um programa autoral" com diretores convidados que traziam na sua bagagem cinematográfica toda uma experiência de experimentação de linguagem e irreverência profissional para o mundo restrito e conservador do telejornalismo.
Hoje, porém, a realidade é outra. Interesses comerciais prevalecem sobre a finalidade maior que é de bem informar. Aquele formato original soa pretensioso e utópico, ainda que se possa crer na possibilidade da televisão brasileira vir a fazer alguma coisa boa em termos de jornalismo-documentário e que possa atingir, alcançar, não somente uma minoria, mas a totalidade do público telespectador. Produzir qualidade na TV aberta sem o elitismo de uma boa programação, o que atualmente está voltada somente para o público dos canais à cabo e de televisão por assinatura, é uma necessidade. Produzir bons documentários para o grande público já foi mais do que um sonho, no Brasil. E era isso que representava o “Globo Repórter”: uma verdadeira escola de "cinema verdade" para televisão. Pela primeira vez, os profissionais de telejornalismo vivenciavam uma nova realidade. Essa nova relação com o mundo do cinema influenciou durante muito tempo de forma positiva toda uma geração de jornalistas de televisão. Era instigante ver como os "cineastas" lidavam com a maior intimidade com a película, a luz, o enquadramento e, principalmente, com os personagens. Em contrapartida, os jornalistas de televisão ofereciam a experiência voltada para a agilidade das notícias e a criatividade nas soluções rápidas. Era um casamento difícil e delicado, porém, muito produtivo.
O “Globo Repórter” viveu a sua melhor fase até 1983. Até que as novas pressões para que o programa se tornasse "mais jornalístico", além das restrições às experimentações de linguagem, consideradas onerosas e até mesmo perigosas, fizeram com que o programa fosse se descaracterizando, afastando-se da proposta original, até se tornar o que é hoje. Estabeleceu-se um novo modelo econômico e político para o país e para o programa. O projeto pioneiro do “Globo Repórter” sobreviveu à ditadura, mas não sobreviveu ao peso da sua própria história de sucesso, criatividade e inovação. Foi aos poucos se tornando num programa cada vez mais "telejornalístico" e menos "cinematográfico". Passou a ser mais um programa com reportagens longas sobre temas óbvios e abandonou definitivamente a experimentação de novas linguagens audiovisuais. Os cineastas também se foram, alguns para carreiras de muito sucesso, longe da televisão.
Em sua nova formatação, o “Globo Repórter”, apresenta de forma insistente e persistente, a figura do repórter, que aproximou o gênero do que há de pior no telejornalismo moderno. Os temas passaram a privilegiar, com raras exceções, a vida dos animais em extinção ou exóticos e o turismo em locais paradisíacos, em programas burocráticos e pouco criativos. Os temas sociais e as denúncias de um jornalismo mais investigativo e impessoal, de cunho reflexivo, com características fundamentais do gênero documental, foram substituídos pela produção institucional tímida e bem comportada.
No Ceará, a situação não é diferente, pois, pouca ou nenhuma importância é dada ao gênero documentário em televisão. Não se tem notícia de qualquer tentativa de produção sistemática nessa área. Programas sensacionalistas que exploram a violência urbana grassam na televisão alencarina, como é o caso do Rota 22, Cidade 190, Barra Pesada etc. copiando o que há de pior na produção nacional.
O documentário possui uma longa tradição de questionamento, mobilização e conscientização política, sendo referência do passado para o presente. Mas diferentemente do cinema, a televisão não tem memória. Importa o presente e pouca importância se dá aos arquivos e a reflexão crítica.
Em épocas de universalização e padronização da informação e da verdade, voltadas somente para os interesses do lucro e do consumo desenfreado, não chega a ser novidade anunciar a morte dos documentários na televisão de massa no Brasil. O que se constitui em um fato lamentável, pois, o gênero muito contribui no sentido de esclarecer o público telespectador e de fazer luz para que possa pensar mais criticamente, não só o conteúdo dos nossos telejornais, mas, principalmente, o futuro do país.

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